Superlotação até (desde) quando?
- FRANCHESCO DE OLIVEIRA Y CASTRO
- 11 de jun.
- 8 min de leitura
Atualizado: 17 de jun.
Estudantes enfrentam superlotação diária sem respostas efetivas
(Produto experimental da disciplina de Reportagem para Suportes Digitais)

Local apertado sem ter onde sentar. Muitas pessoas ao seu redor tentando competir por um espaço. Sem lugar para sentar, todos carregam suas mochilas com seus materiais pesados para ir e voltar da universidade. E quando está calor? O ar pesa. O suor escorre. E a esperança parece derreter junto com a paciência de quem só queria chegar. A superlotação no transporte público que leva os estudantes até a Universidade Federal de Santa Maria campus Frederico Westphalen se tornou um dos principais problemas enfrentados por quem depende do sistema para se locomover.
O percurso diário do ônibus é pela BR 386. A qual é caminho de muitos caminhões que transportam seus produtos até Santa Catarina. A estrada sempre movimentada. A cidade com muitos declives. O caminho em si não é um problema, os motoristas são qualificados e nunca houve perigo por consequência deles. Mas o fato do transporte estar superlotado coloca em risco os estudantes.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2024, mostra que o transporte público é a escolha de 67% dos brasileiros. Diariamente boa parte dessa parcela de pessoas passa pelo problema de superlotação. Apesar de o tempo de locomoção até a universidade ser de uma média de 10 a 20 minutos, ficar esse tempo desconfortável faz parecer muito mais. Diariamente os estudantes enfrentam essa realidade para poder estudar.
O problema se repete
Esse problema não é novo. Em 25 de março de 2011, a Empresa de Transportes São Jorge foi multada pela Polícia Rodoviária Federal por transportar estudantes da UFSM em situação de superlotação na BR-386, próximo a Frederico Westphalen. A fiscalização ocorreu no horário de meio-dia, quando dois ônibus faziam o trajeto até a cidade; um deles levava 29 passageiros em pé, ultrapassando o limite permitido por lei. O episódio gerou revolta entre os estudantes, que já vinham denunciando aumentos abusivos nas tarifas, redução na quantidade de ônibus e a má qualidade do serviço prestado.
Durante a abordagem, parte dos alunos foi transferida para outro veículo, e houve manifestações de indignação no local. A empresa alegou dificuldades para prever o fluxo de usuários. Enquanto representantes estudantis consideraram a multa uma vitória e reforçaram a necessidade de mobilização por um transporte público justo e seguro. Enquanto os estudantes comemoravam a multa com gritos de “multa, multa”, funcionários da empresa tentavam conter os ânimos. Uma cobradora chegou a afirmar que a penalização poderia causar aumento no valor da passagem. A notícia foi publicada originalmente pelo portal estacaocesnor.

Anos depois, em 2016, a própria UFSM-FW divulgou uma nota de esclarecimento alertando para os riscos da superlotação e informando que buscava soluções junto à Prefeitura Municipal. A universidade afirmou na ocasião que exigiria melhorias por parte da empresa responsável, visando maior conforto e segurança para os usuários. Porém, o ônibus continuou vindo cheio. O banco continuou faltando. Os estudantes continuaram esmagados.
“São muitos estudantes, vindo e indo tanto para a UFSM quanto pro Iffar. Tem vezes que tá tão lotado que o único espaço que tem é na escadinha da porta” relata Amanda da Silva Souza, estudante de Sistemas de Informação na UFSM/FW. Esse cenário reflete a realidade dos estudantes tanto durante no fim da tarde, ao se dirigirem à universidade, quanto à noite, ao retornarem para casa. Uma queixa recorrente é a discrepância na quantidade de veículos disponibilizados. Enquanto pela manhã a empresa de ônibus disponibiliza dois veículos para transportar os estudantes, à noite oferece apenas um, resultando em superlotação e desconforto para os usuários.
ENTREVISTA COM AMANDA SOUZA, ESTUDANTE DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO:

A realidade em números
A análise dos dados coletados no formulário revela um panorama preocupante sobre o transporte universitário. A maioria dos estudantes entrevistados (44 de 63) utiliza os ônibus com muita frequência, o que demonstra uma grande dependência desse serviço para se deslocarem até a universidade. Entre esses usuários frequentes, 59 afirmaram já ter enfrentado superlotação no transporte, evidenciando que o problema é recorrente e afeta significativamente a experiência de deslocamento acadêmico.
O turno mais citado como crítico é o da noite, com 28 respostas, seguido pela tarde (21) e pela manhã (11). Isso sugere que o número de veículos disponíveis não dá conta da demanda especialmente nos horários de retorno para casa, quando os estudantes se deslocam em massa após o fim das aulas. Em relação à quantidade de passageiros em pé durante os horários de pico, 36 afirmaram ver entre 10 a 20 pessoas nessas condições, e outros 22 disseram ver mais de 20 — números que indicam um padrão de superlotação constante e potencialmente perigoso.

Apesar disso, apenas 27 pessoas disseram já ter registrado uma reclamação ou sugestão sobre o transporte, enquanto 36 nunca o fizeram. Isso aponta para um possível sentimento de descrença na efetividade desses canais de participação ou para uma falta de divulgação sobre como acessá-los. A conclusão que se tira desses dados é clara: há um desequilíbrio entre a demanda e a estrutura do transporte universitário, e a ausência de respostas institucionais visíveis pode estar desestimulando a mobilização dos estudantes. A reportagem, assim, se propõe não só a mostrar números, mas também a amplificar as vozes que diariamente enfrentam esse desafio.
Além dos números, os relatos colhidos através do formulário ajudam a dar rosto à estatística. Muitos estudantes, mesmo de cursos diferentes, compartilham uma rotina marcada por desconforto, atraso e insegurança. A superlotação não é apenas um transtorno físico como ter que viajar em pé por longos trajetos ou enfrentar o calor e a falta de ventilação, mas também um reflexo do descaso com a permanência estudantil. Uma das vozes que ecoa entre as respostas é a de quem se sente negligenciado pelo poder público e pela universidade, como se o transporte fosse um problema invisível, ainda que diariamente escancarado nos corredores apertados dos ônibus. Essa sensação coletiva de abandono ajuda a traçar a atmosfera da reportagem, que pretende ir além das estatísticas e mostrar como essa precariedade impacta o dia a dia de quem estuda, trabalha e tenta resistir no interior do Rio Grande do Sul.
Confira o resultado da pesquisa realizada com alunos da UFSM/FW:
Superlotação é perigoso
“Difícil você se sentir seguro. Às vezes você não consegue nem se movimentar direito no ônibus. Tem gente que cai. Eu mesmo já caí uma vez, escorreguei no chão por conta da quantidade de gente”, contou Igor Silva dos Santos, estudante de Sistemas de Informação na UFSM/FW. A superlotação no transporte não é apenas um problema de conforto, mas uma violação direta do Código de Trânsito Brasileiro. Segundo o artigo 231, inciso VII do CTB, é considerada infração grave transitar com o veículo transportando passageiros em desacordo com as normas estabelecidas, como exceder o número permitido de pessoas em pé. Para ônibus urbanos, o limite legal costuma ser de até 35% da capacidade total, e ultrapassar esse número compromete a segurança dos passageiros, aumentando o risco de quedas, acidentes e dificultando o socorro em casos de emergência. Portanto, mais do que uma multa, o descumprimento da lei representa um descaso com a integridade física e emocional de quem depende do transporte público diariamente.
ENTREVISTA COM IGOR SILVA, ESTUDANTE DE SISTEMAS DE INFORMAÇÃO:

Audiência pública não teve efeito prático
Em 2024, durante a eleição para a direção da UFSM/FW, foi realizada uma audiência com uma comissão da prefeitura, estudantes e representantes da universidade. O objetivo era discutir a redução nos horários do transporte público. Embora a superlotação não tenha sido tratada diretamente, a diminuição de horários e a falta de ônibus disponíveis resultam, na prática, em veículos cheios. Com isso, muitos estudantes acabam viajando em pé.
A audiência não resultou em nada, além de movimentar a comunidade acadêmica, que já reclamava sobre o assunto a anos. Indiscutivelmente, uma das principais soluções para essa problemática é a implementação de mais horários. Isso contribuiria para que os estudantes e servidores do IFFar e da UFSM, que ao se liberarem das suas tarefas, não precisariam esperar tanto tempo para chegar o próximo ônibus. Além disso, se não for possível e válido à empresa do transporte disponibilizar mais horários, outra sugestão é acrescentar mais ônibus nos momento de pico.
A ausência de resposta da empresa
A equipe de reportagem tentou entrar em contato com a empresa de transporte URBANO ÔNIBUS para discutir a superlotação, mas não obtivemos retorno. A forma mais direta desse problema ser resolvido é implementando mais ônibus nos horários que tem mais estudantes para se deslocar. Alguns estudantes relatam como poderia melhorar no vídeo produzido para essa reportagem.
Confira o vídeo produzido com os alunos respondendo a pergunta:
"O que você acha que poderia melhorar na questão dos ônibus na cidade?"
Menos ônibus, mais desafios
Ao comparar os horários de ônibus de 2019 com os de 2025, observa-se uma mudança no perfil do serviço ofertado para os estudantes e servidores que se deslocam entre Frederico Westphalen e os campi do IFFar/UFSM. Em 2019, a grade era mais extensa, principalmente no turno da manhã, com pelo menos seis opções entre 6h30min e 11h45min. Em contraste, em 2025, há apenas três horários significativos nesse mesmo turno, com longos intervalos entre eles. Essa redução pode dificultar a chegada em tempo hábil para atividades extracurriculares ou administrativas realizadas fora do horário padrão de aulas, além de afetar quem depende de maior flexibilidade no deslocamento.
Durante a tarde, ambos os anos mantêm certa regularidade, mas com diferenças de detalhamento e rotas. Em 2025, os itinerários são mais enxutos e os pontos de embarque e desembarque foram reorganizados em algumas faixas horárias. O percurso das 15h30, por exemplo, se destaca por ser mais completo, contemplando diversos bairros e pontos estratégicos da cidade, por isso neste horário sempre tem superlotação. Isso pode indicar um esforço para otimizar trajetos com maior demanda. Ainda assim, a ausência de algumas viagens intermediárias, comuns em 2019, pode representar um desafio para quem tem compromissos acadêmicos em horários menos convencionais ou precisa se deslocar em menor tempo.
No turno da noite, há uma manutenção parcial do serviço, mas com cortes visíveis. Em 2019, havia quatro partidas após as 18h, incluindo horários às 19h, 20h e 21h15min, que desapareceram completamente na tabela de 2025. Restam apenas duas opções principais: 18h20 e 22h10. Essa redução compromete o retorno seguro e acessível de estudantes que permanecem no campus até mais tarde, especialmente aqueles envolvidos em projetos de pesquisa, extensão ou aulas noturnas. Em síntese, as alterações entre 2019 e 2025 refletem uma tentativa de racionalização do serviço de transporte, mas levantam questões sobre a inclusão e a acessibilidade, principalmente para aqueles que mais dependem do transporte público para sua permanência na educação superior.
Comparação dos horários disponibilizados em 2019 e 2025:
O futuro não cabe em pé
O problema da superlotação nos ônibus que atendem estudantes da UFSM/FW não é pontual nem recente. Ele se arrasta há mais de uma década, atravessando gestões, audiências públicas e promessas não cumpridas. A continuidade desse cenário expõe não apenas a precariedade do serviço, mas a negligência com que o direito à mobilidade e à educação tem sido tratado. Quando o transporte falha, compromete-se o acesso ao ensino superior e, em última instância, a permanência dos alunos na universidade.
Uma solução concreta e viável passa pela ampliação da frota nos horários de pico e pela revisão da atual logística de horários. Cabe à empresa responsável apresentar um plano de reestruturação do serviço, acompanhado por fiscalização efetiva do poder público municipal e diálogo permanente com as instituições de ensino. Além disso, a universidade e os estudantes devem seguir pressionando por um transporte digno, seguro e compatível com a demanda. Enquanto isso não acontece, a cada trajeto superlotado, o futuro de centenas de jovens segue sendo comprimido não só dentro do ônibus, mas também nas possibilidades que se fecham com a omissão.
Confira a rota que o transporte faz saindo da UFSM/FW e passando pelo centro de FW:
Produzida por:
Franchesco de Oliveira Y Castro
Raquel Teixeira Pereira
REPORTAGEM PARA SUPORTES DIGITAIS - 2025.2



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